sábado, 6 de novembro de 2010

Terceira Pessoa do Singular




“Sou feliz só por preguiça! A infelicidade dá uma trabalheira... Pior que doença! [...]” Mia Couto






O telefone toca três vezes e para, quase todos os dias, e ela abre aquele sorriso sacana de quem recebeu 2 cartas de +4 no Uno; aquele sorriso besta de quem já sabia que aquilo ia acontecer. E depois de dias, só dando esse sorrisinho ela levanta com um andar de quem vai a praia com o biquine mais bonito que já comprou na vida, pega o telefone, disca e ninguém atende. Ela desliga e espera, coça a cabeça, olha pra um lado e pro outro, a postura cai, solta o palitinho de pirulito no chão e vai languidamente apagando todas as luzes até o quarto. Ela nunca tinha reparado que o corredor era tão longo, e que tinham tantas luzes a serem apagadas.
Ela o amava, ninguém duvidava disso, nem ela mesma, mas ela amava mais a sensação do algo mais, a sensação do enigma, a sensação da tristeza da partida, a sensação do coração batendo acelerado, ela amava todas as sensações, boas e ruins que a vida poderia proporcionar, ela não conseguia negar o desconhecido, era irresistível o gosto das descobertas e mesmo sendo estranho, até dos fins que ela inventava para não levar pessoas que não gostam da idéia do desconhecido, com ela.  
Ela esperava ansiosa por viver, não dormia, pouco comia, de tanta vontade de viver. Ela desejava até que a irritassem para ter motivos, mesmo vãos, de bater portas, de gritar no travesseiro. Ela não entendia necessidades tão distantes da sua realidade, mas mesmo se auto indagando, mesmo dizendo a si mesma que ela estava errada, que não era para ela sempre largar tudo que se fazia ‘certo’ e ir atrás de algum pretexto estúpido, o maior medo da vida dela, era que  perdesse aquele instinto de não ter instinto algum, era a única coisa que motivava ela a seguir em frente, tinha medo de ser fase, de ser bobeira, de ser algo tipicamente de menina que não quer nem chegar aos 18 anos. Então colecionava palavras para escrever textos, para marcar sentimentos, causas e perdas, porque ela não queria perder o que fazia ela ser quem era.
Ela queria a verdade, ela queria sofrer pela causa, ela queria amar qualquer coisa viva e quebrar todos os objetos imóveis que lhe tiravam a atenção ao mundo.
Não era a última vez que ela colocaria um fim desnecessário em algo por achar que a vida a chama para ver algo novo, e mesmo ela sabendo disso, sentiu cada passo no corredor de menos de 5 metros, que ficou longo de repente, ela sentiu seu peito se comprimindo contra o coração a cada luz que ia se apagando, o barulho da porta se fechando fez ela chorar, e olhando algumas fotos na parede, percebeu que estava curtindo uma fossa e começou a rir.

– Ully Stella

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