segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Zona De Conforto

Amar é ter um pássaro pousado no dedo. 
Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar. Rubem Alves


Se tirar qualquer parte do teu corpo de cima de mim, mesmo dormindo, sinto falta. Mas você não pesa, tenho quase que te amarrar no pé da cama para não saíres voando. Quando cansas de dormir me abraçando e viras para o outro lado, entro naquela parte ruim do sonho, quando nos perdemos, caímos ou ficamos angustiados sem saber porquê. Todo sonho meu agora têm você. Todo sonho dormido ou sonho sonhado têm você e o que vem de você. E tem sido assim desde aquele sonho em que me apareceu de intruso. Era impossível sonhar tanto com alguém que eu nunca tinha trocado meia palavra. Mas quase toda noite sonhava com teus olhinhos e teu sorriso turvo – porque só te via de longe e ainda não usava óculos, só sabia quem era você quando abria o sorriso. Até longe tu és difícil. Quando perto ainda é um sonho. Mas em sonho tu és bem perto.

Antes de te conhecer eu tinha uma ideia fixa, que me incomodava até, sobre a palavra 'sonho' que se usa para o sonho quando dormimos; aquelas imagens loucas, desconexas, felizes, assustadoras e sem sentido (não muito diferente do nosso dia-a-dia)... E a mesma palavra para as nossas idealizações, o que a gente passa horas do dia e anos da vida para aprimorar, tomar coragem, quem sabe até realizar. Mas como eu disse, isso foi antes de te conhecer. Agora tudo faz sentido porque você entrou na minha vida como um sonho sem sentido para se tornar meu sonho que eu nunca idealizei. E dane-se o pouco sentido que isso tudo faz!

Saio da minha zona de conforto e me viro para fazer o ritual: Meus pés ocupam os vãos de tuas pernas, respiro o teu cangote como frasco de perfume francês e com os mesmos olhos fechados, dentro do mesmo suspiro, a ponta dos dedos escorregam no teu braço pra fazer onda de arrepio antes do abraço, depois solto o suspiro para outro arrepio. Então enlaço e volto a sonhar. 

– Ully Stella


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Remoto Controle



Veja bem, a falta de limite que me trouxe até aqui; até o limite. Engraçado isso né? A gente diz que uma coisa é engraçada quando ela nos surpreende e não temos o que comentar sobre ela. A ironia é a explicação da falta de uma explicação mais sensata, mais bonita, é um explicação falsa, dolorida. Ironia nunca foi engraçada, ironia é triste, ironia é a falta de saída. Tô no limite da minha falta de limite, fingindo rir com os convidados, fantasiada de ironia porque a saída ficou a milhares de limites atrás.

Como uma amante fugitiva, vivi na garupa do acaso por todos esses anos. Sinais, nem olhávamos mais, nem destinguiamos cor ou importância. Qualquer transito que tentasse conter nossa pressa, guardava corredores para nossa fuga. Era curiosidade, fome, morria de vontade de sei lá do que, vontade de chegar sei lá onde, vontade de ir embora logo assim que chegasse... Depois que arrisquei a velocidade mas alta, foi simplesmente incabível não viver para se chegar sempre naquela velocidade. A falta de limite é o maior dos vícios. Quando atingimos um limite, tudo zera, e esse antigo limite se torna o mínimo que podemos alcançar. Depois do primeiro limite ultrapassado você entra em um território livre de barreiras, é um lugar na mente chamado loucura.

Pulei todas as fases que podia, usei macetes, códigos, lábia e malandragem, driblei as leis pra chegar no fim desse jogo, como se eu só estivesse antecipando o melhor que eu poderia viver. Em tudo, sabe o que ainda me sobra? Inocência, porque fui incapaz de perceber que antecipei o pior junto com tudo. A poucas horas - dias talvez, não sei bem - estive diante do maior desafio da minha vida e não tive a mínima idéia de como vencê-lo porque pulei as outras fases, não as vivi, não vasculhei em cada momento o que me deixaria hoje mais forte para enfrentar a fase mais difícil como deveria. A derrota foi certa, o sangue foi acabando a medida que aquele "monstro" foi me lembrando que perdi todas as minhas outras tantas vidas em cabeçadas desnecessárias em paredes que nem foram feitas para eu bater.

Será que você entende o porque sempre fui tão "muito mais madura para minha idade" agora? Corre na gaveta de recordações, vasculha um cadinho e acha meu convite de 15 anos... Eu ainda sou aquele mesmo moleque de vestido balone que continua procurando a cura do meu vício de insistir nessa saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi. Juro que sou.

A tela está piscando "Continue?", mas meu orgulho não entende que perdeu o jogo que era invicto de que eu sairia como vencedora. Estou aqui, no limite, com o controle na mão, mas imóvel, em choque, molhada, de suor, de lágrimas...

Continue?
[...]
– Ully Stella


Escuta baixinho... Não cante, sussurre.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Milagre?

"Botas... As botas apertadas são uma das maiores venturas na terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar." Machado de Assis





Não gosto do escuro. E lembro bem porque não gosto. Ou melhor; por quem. Não suportava a ideia de desperdiçar a melhor visão do dia com qualquer falta de luz que me atrapalhasse o enxergar. Se sorria fechava os olhos que me faziam sonhar toda noite, se abria os olhos é porque tinha descansado o sorriso que me fazia sorrir todo dia. E tudo dentro desse meio termo parecia magia. Depois que sumisse da vista, eu poderia andar pelo meio da rua mais vazia, da floresta mais sombria, que não ligaria. Mas se comigo estivesse, nem que a minha pele fosse a ultima coisa a se esfregar para criar fogo, eu faria, para que iluminasse aquela face.

Pouco a pouco, escravos daquela intensidade, eu acreditava que renascia toda vez que acordava de qualquer soninho na curva do peitoral dele. O sol fazia um esforço enorme para ultrapassar uma brexinha daquela janela, sufocada por cortinas, muros próximos e casas vizinhas. Mesmo assim, o sol comparecia no pouco que podia, pra ser holofote do nosso final de carnaval que toda semana fazíamos entre aquelas quatro paredes quase sem cores.

Cada vez que ele sorria e me olhava no fundo dos olhos... Era como se eu sentisse que, naquele mesmo momento, um bebê lindo viesse ao mundo, como se alguém se salvasse de um acidente, outro realizava um sonho ou presenciasse um milagre... Era como se, de verdade, eu sentisse que alguém no mundo estava chorando de felicidade.

Mas onde transborda paixão, falta sanidade. Paixão e sanidade são substâncias muito diferentes. Nos sacudíamos, queimávamos juntos se necessário fosse, fizemos o que podíamos né? Mas água e óleo só são colocadas na mesma frase como exemplo do que não se mistura, não combina.

As pessoas continuam sendo salvas, realizando sonhos, bebês nascem toda hora, pequenos  e grandes milagres acontecem todo dia, inclusive comigo e com você. E eu sou feliz, a única coisa que mudou é que não sinto mas essas coisas acontecendo.


– Ully Stella