quarta-feira, 20 de julho de 2011

Bochecha Rosada





Tão raro usar franquezas para falar coisas bonitas."
Carpinejar









A felicidade acontece em meio a conversas cotidianas com a madrinha, quando ela brincando diz que eu atrapalhei o sono matinal dela cantando com Lulu Santos como caminha a humanidade. Felicidade veio em forma de vergonha, vergonha bonita; é uma vergonha que só precisa ser sorrida como resposta da pergunta “a que/quem se deve tanta felicidade, minha filha?”, embutida dentro da brincadeira da minha madrinha. Se fosse um lamurio cantado, com choro no lugar do sorriso, ela não brincaria. Brigaria, porque só vale a pena ter o sono interrompido se for em favor da felicidade de quem se ama. Acordar com uma louca cantando e chorando aos berros, sem saber se chora mais de que canta, espantando o sono dela e qualquer possibilidade de recuperação de tal situação ridícula, deve dar muita raiva!
Mas ela falaria a mesma coisa a mim, só que com tom diferente, tom de “tá nessa ainda porque?” e um sorriso nunca caberia no espaço do silêncio após isso, a vergonha, dessa vez, deveria ser explicada.
 Esta ai a grande deficiência de todo esse mundo de poetas e escritores, eles precisaram de que em algum momento de suas vidas, tenham perdido algum objeto raro, quebrado alguma vidraça enquanto brincavam de bola, apanharam e depois foram postos em castigo para pensar sobre o que fizeram. Pensaram, e pensaram até demais. Pensaram até começar a escrever. Porque perder, quebrar, apanhar, sofrer...  A vida pede explicação de tudo isso no silêncio de um castigo. Sentimento que faz mal a gente rende palavras. Tristeza necessita de palavras, esperança, ódio, rancor, carência, indignação, paz, saudade, maconha, revolta, tesão... tudo induz palavras, tudo por ser descrito, até dor.
Quando venho aqui me queixar da vida, não é que seja a minha intenção eternizar as saudades, como se a própria não desse conta de fazê-lo sempre, mas é porque felicidade, de fato, é coisa tão pequena, é tão miúda, que se contar a vocês, não acreditariam. Não se pensava em gramática em quanto a bola ainda quicava e a janela estava intacta. Eu não tinha noção nem da felicidade nem de ter acordado ninguém, só percebi estar com ela quando, pela primeira vez em muito tempo, não precisei responder com palavras o que sentia. Bastou a bochecha rosada de um rosto que, naquele dia, não precisou de maquiagem ou unhas bem feitas.
Não espere muito de mim aqui, além de algumas reclamações, expectativas bobas e tentativas quase nulas de narrar tardes quentes, mas é porque felicidade mesmo... Felicidade são as reticências.

– Ully Stella

domingo, 10 de julho de 2011

Sobras De Mim









“Eu só preciso levar a vida, eu só preciso desfocar do sonho que me deixa míope de enxergar além” Tati Bernadi








Meus anos de formação de caráter foram furtados, e o ladrão mal sabia o significado da palavra caráter, ou era mesmo incapaz da prática. Contudo, me formei em te fazer feliz, emoldurei meu diploma com a nossa foto de fundo e você o pregou na parede do meu quarto.
Se os problemas acabassem na má remuneração, benção seria. A empresa era falida, e o pior é que eu sabia. Era visivelmente trágico o fim, e inevitável também. Rezava e até chantageava Deus pra que aquilo um dia desse certo, que algum milagre mudasse o rumo daquela história que eu tentei edificar por anos... Um dia eu acordei, e o diploma estava mofado, o prego na parede deu inicio a uma grande rachadura, eu não tinha dinheiro pra concertar minhas paredes porque estava desempregada e não sabia fazer qualquer outra coisa na vida a não ser te fazer feliz.

Kubitschek me invejaria – consegui cinqüenta anos em três. O que faltou fazermos juntos, para que eu não lembre de você sozinha? Acho que todo dia quando acordo me faço essa mesma pergunta, com esperança de achar a resposta que me traga o ânimo de me inventar de novo, estudar para outro vestibular, achar um emprego novo, quem sabe até abraçar o meu pai e dizer que ele estava certo.
Tudo que eu faço tem esse gosto de comida requentada. Momentos iguais com pessoas diferentes, mesmo cenário reutilizado. Não suporto tudo isso. Dou aos outros as sobras de mim. Mas alguém almoçou muito bem! 

Conta em conjunto em banco: tenho a senha, retiro, deposito, gasto, mas não me possui somente, é nosso. Eu não sou minha, sou nós dois. Te devo desde os mais humildes defeitos até a piada mais idiota que sei contar.
O telefone toca, mas eu nem atendo mais. É cobrança! Outro dia atendi um rapaz chamado Paixão que me ligava em nome do banco me cobrando atitude, tentei parcelar em alguns meses com carinho, que nesses meses eu me inventaria de novo pra conseguir pagar com amor as retiradas de princípios que eu peguei como “investimento” para quitar a tal faculdade que não deu certo. 

– Paixão, o senhor tem uma voz muito gentil, e parece que está interessado em me ajudar. Negociemos então: me dê um tempinho, me faça um cafuné e me abraça de vez em quando, que meu nome está sujo mas também consta ai que eu sou mestrada em fazer os outros feliz. Eu só preciso concertar algumas paredes... Acredite!


– Ully Stella

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Quase Toda Fé

Amaremos sempre pelo motivo errado. Quem ama pelo motivo certo é interesseiro.” Carpinejar



Desculpa essas mãos geladas e essa cara de choro. Demorei um tempo no escuro apalpando paredes à procura de um interruptor – achei  você. Conheço bem os meus motivos para estar onde estou, mas como alguém que tem faróis no lugar dos olhos não consegue iluminar seu próprio caminho?
Te reconheço de outros climas e iluminação diferente. Minha fé sentiu falta do mistério que era querer estar ao seu lado, na sua frente, te abraçando por trás. Só o que me restou de você foi essa fé, não existe outro nome para o que sinto. Só a fé se acomoda aos enigmas, deseja o mistério e sonha em casar com o talvez.  Sou feita quase toda de fé.
Passei a vida inteira me aventurando em piscina rasa e fui me apaixonar logo pelo teu quintal de areia e tua cerca azul mar. Ninguém esteve por ali para abrigar tuas águas, e tudo que és, vem de quilômetros, vem do fundo. 
Coração quando é pai de razão, é dono de corpo insano, pensa raras vezes (tão raro que não funcionou tal dia). Corri e pulei. As pessoas tem uma visão mágica da queda e de sua velocidade, como se realmente fossemos parar no ar e ter a paz que não temos sempre, e conseguir na queda refletir sobre o passado e inventar o futuro. Bem com a minha primeira queda, mas foi tão rápido quanto quem vê - mas rápido que separar as sílabas da palavra: que-da.
Mas interagir involuntariamente com ondas... Isso sim demora! Consegui até criar uma teoria que explica essa coragem que todo ser humano precisa para realizar o que se deseja, porém, quando se tem mais coragem do que se precisa, sobra teimosia. Minha teimosia foi maior que qualquer paixão ao te olhar, minha teimosia foi muito maior do que minha coragem ao te enfrentar, e por sua vez, sua paixão me engoliu. Minutos de você e eu já não tinha fôlego, coragem, teimosia, paixão, passado ou roupas. Teimosos tem certa dificuldade de reconhecer ou assumir algum medo, mas ali nua na sua frente, logo eu, piscina rasa, fugi das ondas, do barulho, da turbulência, do seu escuro proveniente dos mais profundos oceanos de seus ante-passados... Fugi sem nem tentar diluir teu sal.
Quis um pouco de você, mas, mar em pote de vidro não faz onda.  Não existe metade de você. Ou me afogo, com a fé que te ama, até aprender a nadar. Ou volto a apalpar paredes.
No dia em que fugi, fugi te prometendo estrelas. Hoje vejo a falta que elas fazem a você – brilho que combina com brilho. Eu sei que já esta bem tarde e que essa noite chuvosa e fria em nada se parece com o nosso fim de tarde de sol, mas se você estiver disposto a me ensinar a nadar... Sem teimosia, sem queda. Te dou minha mão e você me leva! E minhas estrelas se guiarão pelo teu farol. Explicação pra te achar no escuro: no claro eu não entenderia.

– Ully Stella