domingo, 10 de julho de 2011

Sobras De Mim









“Eu só preciso levar a vida, eu só preciso desfocar do sonho que me deixa míope de enxergar além” Tati Bernadi








Meus anos de formação de caráter foram furtados, e o ladrão mal sabia o significado da palavra caráter, ou era mesmo incapaz da prática. Contudo, me formei em te fazer feliz, emoldurei meu diploma com a nossa foto de fundo e você o pregou na parede do meu quarto.
Se os problemas acabassem na má remuneração, benção seria. A empresa era falida, e o pior é que eu sabia. Era visivelmente trágico o fim, e inevitável também. Rezava e até chantageava Deus pra que aquilo um dia desse certo, que algum milagre mudasse o rumo daquela história que eu tentei edificar por anos... Um dia eu acordei, e o diploma estava mofado, o prego na parede deu inicio a uma grande rachadura, eu não tinha dinheiro pra concertar minhas paredes porque estava desempregada e não sabia fazer qualquer outra coisa na vida a não ser te fazer feliz.

Kubitschek me invejaria – consegui cinqüenta anos em três. O que faltou fazermos juntos, para que eu não lembre de você sozinha? Acho que todo dia quando acordo me faço essa mesma pergunta, com esperança de achar a resposta que me traga o ânimo de me inventar de novo, estudar para outro vestibular, achar um emprego novo, quem sabe até abraçar o meu pai e dizer que ele estava certo.
Tudo que eu faço tem esse gosto de comida requentada. Momentos iguais com pessoas diferentes, mesmo cenário reutilizado. Não suporto tudo isso. Dou aos outros as sobras de mim. Mas alguém almoçou muito bem! 

Conta em conjunto em banco: tenho a senha, retiro, deposito, gasto, mas não me possui somente, é nosso. Eu não sou minha, sou nós dois. Te devo desde os mais humildes defeitos até a piada mais idiota que sei contar.
O telefone toca, mas eu nem atendo mais. É cobrança! Outro dia atendi um rapaz chamado Paixão que me ligava em nome do banco me cobrando atitude, tentei parcelar em alguns meses com carinho, que nesses meses eu me inventaria de novo pra conseguir pagar com amor as retiradas de princípios que eu peguei como “investimento” para quitar a tal faculdade que não deu certo. 

– Paixão, o senhor tem uma voz muito gentil, e parece que está interessado em me ajudar. Negociemos então: me dê um tempinho, me faça um cafuné e me abraça de vez em quando, que meu nome está sujo mas também consta ai que eu sou mestrada em fazer os outros feliz. Eu só preciso concertar algumas paredes... Acredite!


– Ully Stella

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