segunda-feira, 11 de junho de 2012

Te Aquece

Um passo à frente e você já não está mais no mesmo lugar. Chico Science



Desde a última vez em que olhei o relógio, já faz 24 horas. Tento mas não consigo distinguir se o tempo passou rápido ou lento, e enquanto arrumava a bagunça das últimas horas, caçava por entre os edredons as certezas e imponências que eu tinha a, exatamente, um dia atrás. A mão que arrumou tudo no lugar que estava ontem, não é a mesma mão que desarrumou tudo. Como você não pode ser a mesma pessoa que era à 24 horas atrás?

Foi como se tivesse vivido inteira e intensamente cada segundo daquele dia e usado o amor como o vidro que prende as areias do tempo, ao invés de usar o amor como a areia que aos poucos se vai. Usei do eterno para divinizar o momentâneo e não ao contrário, como o que fiz com o resto da minha vida de discursos minimamente ensaiados na frente de espelhos.

Me permiti mudar. Mudar o discurso ensaiado, mudar de ideia, coração, razão; dar um banho na alma, e então, olhando sonolentamente para a janela de vez em quando, era como se eu pudesse sentir cada centímetro da Terra girando em torno do sol. Levou a noite, o dia, trouxe a noite de novo, enquanto eu me deixava levar pelo movimento necessário da vida: o movimento que a mudança nos trás.

Compreenda que a Terra só da voltas em torno do que precisa. Olhe para o centro da tua vida e certifique-se que o que está lá te movimenta, te ilumina, te aquece, te floresce, te nutre e é do tamanho e complexidade que você necessita para o passar de cada estação. Se o que você coloca como principal na tua vida não te muda todos os dias, não faz vida crescer em ti, não te desagua mares de euforia e não ameniza teu inferno com nuvens e assopros de vento... Pare já de dar cambalhotas por isso!

Não permita que um relógio desvalorize a tua mudança e faça tuas próprias 24 horas. Seja lá quanto tempo tuas 24 horas durarem, ou com que intensidade irá sentir a Terra se movendo, mas mova-se junto dela, até encontrar o sol pelo qual valerá apena rodar.

— Ully Stella



terça-feira, 20 de março de 2012

Rua da Satisfação Esquina Com o Apego

“Eu não quero viver pra morrer de saudade”  Nando Reis


Se a vida me dá um cômodo, me acomodo. Pode ser um cômodo apertado ou uma mansão me acomodo da mesma forma. Vivo, respiro, crio possibilidades, enfeito tudo e sou até feliz. A vida me fez uma satisfeita nata. E até isso ela veio me cobrar de volta. A minha satisfação perante as coisas agora é a maior das minhas instabilidades. A pergunta que foi implantada e que criou raízes rápidas na minha mente é: “Eu também não estava satisfeita antes?”.

Como uma pessoa que se muda de um apartamento apertado no centro da cidade e vai para uma casa grande no campo, só percebo e valorizo o espaço e ar limpo quando já estou longe do que me apertava e sufocava. Uma vez acomodada, não percebemos a real dimensão dos problemas. Entenda, estou satisfeita nesse exato momento, sou feliz agora, mas não sei de fato se estou respirando poluição ou ar puro. Não sei se estou apertada, pequena, torta e corcunda ou se estou de bobs no cabelo, deitada sobre um futon de seda sendo servida na boca. Só saberei quando essa fase acabar e eu puder comparar o que me foi roubado, acrescentado, perdido, desperdiçado...

Ficaria feliz se essa fase acabasse e eu percebesse que isso tudo é só mais um exagero meu, que não há impossibilidades nesse romance, que eu não posso ser inteiramente tua, e eu não basto para traduzir o amor, não sirvo nem para ensina-lo a dançar ou entrar na dança. E se minhas frases começarem a perder o sentido? E se eu perceber que meu sono não é velado, que eu não sou desejada, esperada, que não tenho sonhos compartilhados? E quando o meu fôlego for acabando, por favor, se dê ao trabalho de ligar para a ambulância, que antes das portas serem fechadas olharei breve e eternamente para minha antiga moradia, e naquele instante, já longe, me certificarei que decorei e morei sozinha.

Me chame de louca mas não admita que eu estou certa. Mais uma vez. Eu quero somar, não encerrar a conta. Mais uma vez!!! Não quero me mudar, não quero empacotar e desempacotar nada, não quero ensinar como eu sou a mais ninguém. Não se engane, me satisfarei de novo, serei feliz de novo, só não quero acrescentar a minha coleção de “coisas que fico feliz que tenha acabado” mais uma residência enfeitada e tão linda como a nossa. Quero a plenitude de uma felicidade verdadeira, quero saber diferenciar satisfação de apego. Para não cairmos em tédios providenciais, que nos mudemos de mês em mês para uma casa maior, mas que seja a nossa. Não seja mais uma experiência. Seja meu produto final!

– Ully Stella



sábado, 3 de março de 2012

A Gorjeta Do Diabo


Lhes juro. E dessa vez sem acréscimos nas próximas prestações de uma consciência pesada. Lhes juro. Porque dessa vez não peguei nada emprestado. Lhes juro. Como uma boa pessoa haveria de jurar algo do que ela tem plena certeza. Lhes juro dessa vez, com a verdade de uma pessoa que nunca fui, mas que eu jurava ser. Juro que não me imagino em qualquer outro lugar que não seja o que eu estou agora.

Paguei com juros todos os meus juramentos que caíram por terra depois de uma tempestade de cuspes para o alto. Tempestade que levou também os meus tantos “e se”, que me ocupavam de tal maneira que só percebi o quanto tinha de incertezas, vendo o tamanho do espaço que sobrou em mim. Espantada, calculei tudo que eu poderia construir ali. Caberia a realização dos meus sonhos, caberia também mil formas de incentivar os sonhos de quem estiver do meu lado, caberia paciência, tranquilidade, caridade, uma casinha pequena com cheiro de bolinho de chuva a tarde, uma manada de elefantes, o litoral de um mar azul calmo, sombras para o sol e mais uma lua num céu infinito de paz. Caberia uma família de sentimentos bons; caberia uma família, caberia a responsabilidade de ter uma família.

Achei também nesse imenso espaço em mim, a continuação de uma mina de ouro que eu achava que era pequena e que eu já tinha explorado tudo que havia nela. Ainda não achei o final dela. Meu ouro se chama fé.
Acordar para a vida é como ganhar na loteria. Do nada você se vê rico! Fiquei lembrando quanto tempo demorei e perdi para me dar conta. Fiquei até um tempo rindo da expressão “se dar conta”.

Se deem as vossas contas!!! Calcule o valor de cada sentimento ruim que você se serviu por anos.  Todo aquele sofrimento que você usou como sal para temperar sua vida, a inveja, a soberba, o ódio, as mentiras e falta de amor, e para engolir tudo isso, só bebendo mágoas, incertezas, vingança e infelicidade. Não se esqueça de todos os estragos que fez, tudo que quebrou em julgamentos hostis com os que sentavam a sua volta. Perceba que já tem como pagar por tudo isso, e que o medo da vergonha e humilhação pública te causa ainda mais angustia. Abra aquela parte da mente que você guardou dentro da carteira, que você deixou para a maior das emergências, e pague por tudo com suas valiosas quantias de humildade, de misericórdia para quem te fez sofrer, e perdão para quem você fez o mesmo. Faltando, pague com o coração que você também guardou na carteira a tempos, ele transforma nossas dívidas em esperança e ás vezes até amor por quem devemos.
Pague com Fé em Deus a gorjeta do Diabo que lhe serviu tudo isso!

Agora parcele sua felicidade em 1200 meses com altos juros. Isso vale a pena jurar.

– Ully Stella


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Sabor Satisfação








"Feito flor abraçada pela borboleta. Feito café da tarde com bolinho de chuva. Onde, em vez de nos orgulharmos por carregar tanto peso, a gente se orgulha por ser capaz de viver com mais leveza." Ana Jácomo









E quando o que julgamos ser pouco é raspa da panela do outro, que lhe oferece tudo como última esperança de felicidade? Ela recolheu as migalhinhas com uma só mão, tantas teve que pressionar com o dedo para que grudasse ao restante, de tão fragmentadas. O único impulso que teve, foi mesmo de somá-lo, e assim colocou-o numa panela que mesmo cheia, não tinha sabor. 

De qualquer forma, era prato cheio para dois. Dois famintos. E os que visitam de quando em vez para filar daquela comida que exalava longe, encontravam os dois dormindo pesado, toda louça suja, e reclamavam para outros tantos a miséria dos dois. Mas os dois estavam lá, satisfeitos, corados, saudáveis, belos e com a calça aberta para não incomodar a barriga cheia. 

Diziam que aquele amor não era fofo. Então eles dois descobriram que o significado de "ser fofo" era servir um prato farto de comida a quem chegasse de surpresa. Casais fofos não gostam de ser mal falados. Casais fofos passam fome para que os outros se satisfaçam com os seus próprios fatos fofos. E, se são fofos e não passam fome, e ainda distribuem aos mais necessitados pratos cheios de piegas, é porque sobrou, é porque se não distribuíssem apodreceria, é porque comeram e não gostaram do sabor. Não houve fome, não houve amor, mas foram um casal fofo porque enfeitaram os pratos e os fatos, para quem passasse por lá. Quem hoje se alimenta da história de outros, foram fofos um dia.

Já fui um lado fofo, meu amor. E até ontem o que tinha me restado era uma comida sem sabor. E você, que recebo em migalhas, é todo tempero que minha comida precisava para enfim saciar aquela fome. A nossa fome. 

Tranca a porta, desinstala a campainha, desliga o telefone, aumenta o fogo, deixa a tampa da panela entreaberta para aquecer e deixar fluir o nosso aroma saboroso... Depois volta pra cama que eu tô te esperando!

- Ully Stella




segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Zona De Conforto

Amar é ter um pássaro pousado no dedo. 
Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar. Rubem Alves


Se tirar qualquer parte do teu corpo de cima de mim, mesmo dormindo, sinto falta. Mas você não pesa, tenho quase que te amarrar no pé da cama para não saíres voando. Quando cansas de dormir me abraçando e viras para o outro lado, entro naquela parte ruim do sonho, quando nos perdemos, caímos ou ficamos angustiados sem saber porquê. Todo sonho meu agora têm você. Todo sonho dormido ou sonho sonhado têm você e o que vem de você. E tem sido assim desde aquele sonho em que me apareceu de intruso. Era impossível sonhar tanto com alguém que eu nunca tinha trocado meia palavra. Mas quase toda noite sonhava com teus olhinhos e teu sorriso turvo – porque só te via de longe e ainda não usava óculos, só sabia quem era você quando abria o sorriso. Até longe tu és difícil. Quando perto ainda é um sonho. Mas em sonho tu és bem perto.

Antes de te conhecer eu tinha uma ideia fixa, que me incomodava até, sobre a palavra 'sonho' que se usa para o sonho quando dormimos; aquelas imagens loucas, desconexas, felizes, assustadoras e sem sentido (não muito diferente do nosso dia-a-dia)... E a mesma palavra para as nossas idealizações, o que a gente passa horas do dia e anos da vida para aprimorar, tomar coragem, quem sabe até realizar. Mas como eu disse, isso foi antes de te conhecer. Agora tudo faz sentido porque você entrou na minha vida como um sonho sem sentido para se tornar meu sonho que eu nunca idealizei. E dane-se o pouco sentido que isso tudo faz!

Saio da minha zona de conforto e me viro para fazer o ritual: Meus pés ocupam os vãos de tuas pernas, respiro o teu cangote como frasco de perfume francês e com os mesmos olhos fechados, dentro do mesmo suspiro, a ponta dos dedos escorregam no teu braço pra fazer onda de arrepio antes do abraço, depois solto o suspiro para outro arrepio. Então enlaço e volto a sonhar. 

– Ully Stella


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Remoto Controle



Veja bem, a falta de limite que me trouxe até aqui; até o limite. Engraçado isso né? A gente diz que uma coisa é engraçada quando ela nos surpreende e não temos o que comentar sobre ela. A ironia é a explicação da falta de uma explicação mais sensata, mais bonita, é um explicação falsa, dolorida. Ironia nunca foi engraçada, ironia é triste, ironia é a falta de saída. Tô no limite da minha falta de limite, fingindo rir com os convidados, fantasiada de ironia porque a saída ficou a milhares de limites atrás.

Como uma amante fugitiva, vivi na garupa do acaso por todos esses anos. Sinais, nem olhávamos mais, nem destinguiamos cor ou importância. Qualquer transito que tentasse conter nossa pressa, guardava corredores para nossa fuga. Era curiosidade, fome, morria de vontade de sei lá do que, vontade de chegar sei lá onde, vontade de ir embora logo assim que chegasse... Depois que arrisquei a velocidade mas alta, foi simplesmente incabível não viver para se chegar sempre naquela velocidade. A falta de limite é o maior dos vícios. Quando atingimos um limite, tudo zera, e esse antigo limite se torna o mínimo que podemos alcançar. Depois do primeiro limite ultrapassado você entra em um território livre de barreiras, é um lugar na mente chamado loucura.

Pulei todas as fases que podia, usei macetes, códigos, lábia e malandragem, driblei as leis pra chegar no fim desse jogo, como se eu só estivesse antecipando o melhor que eu poderia viver. Em tudo, sabe o que ainda me sobra? Inocência, porque fui incapaz de perceber que antecipei o pior junto com tudo. A poucas horas - dias talvez, não sei bem - estive diante do maior desafio da minha vida e não tive a mínima idéia de como vencê-lo porque pulei as outras fases, não as vivi, não vasculhei em cada momento o que me deixaria hoje mais forte para enfrentar a fase mais difícil como deveria. A derrota foi certa, o sangue foi acabando a medida que aquele "monstro" foi me lembrando que perdi todas as minhas outras tantas vidas em cabeçadas desnecessárias em paredes que nem foram feitas para eu bater.

Será que você entende o porque sempre fui tão "muito mais madura para minha idade" agora? Corre na gaveta de recordações, vasculha um cadinho e acha meu convite de 15 anos... Eu ainda sou aquele mesmo moleque de vestido balone que continua procurando a cura do meu vício de insistir nessa saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi. Juro que sou.

A tela está piscando "Continue?", mas meu orgulho não entende que perdeu o jogo que era invicto de que eu sairia como vencedora. Estou aqui, no limite, com o controle na mão, mas imóvel, em choque, molhada, de suor, de lágrimas...

Continue?
[...]
– Ully Stella


Escuta baixinho... Não cante, sussurre.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Milagre?

"Botas... As botas apertadas são uma das maiores venturas na terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar." Machado de Assis





Não gosto do escuro. E lembro bem porque não gosto. Ou melhor; por quem. Não suportava a ideia de desperdiçar a melhor visão do dia com qualquer falta de luz que me atrapalhasse o enxergar. Se sorria fechava os olhos que me faziam sonhar toda noite, se abria os olhos é porque tinha descansado o sorriso que me fazia sorrir todo dia. E tudo dentro desse meio termo parecia magia. Depois que sumisse da vista, eu poderia andar pelo meio da rua mais vazia, da floresta mais sombria, que não ligaria. Mas se comigo estivesse, nem que a minha pele fosse a ultima coisa a se esfregar para criar fogo, eu faria, para que iluminasse aquela face.

Pouco a pouco, escravos daquela intensidade, eu acreditava que renascia toda vez que acordava de qualquer soninho na curva do peitoral dele. O sol fazia um esforço enorme para ultrapassar uma brexinha daquela janela, sufocada por cortinas, muros próximos e casas vizinhas. Mesmo assim, o sol comparecia no pouco que podia, pra ser holofote do nosso final de carnaval que toda semana fazíamos entre aquelas quatro paredes quase sem cores.

Cada vez que ele sorria e me olhava no fundo dos olhos... Era como se eu sentisse que, naquele mesmo momento, um bebê lindo viesse ao mundo, como se alguém se salvasse de um acidente, outro realizava um sonho ou presenciasse um milagre... Era como se, de verdade, eu sentisse que alguém no mundo estava chorando de felicidade.

Mas onde transborda paixão, falta sanidade. Paixão e sanidade são substâncias muito diferentes. Nos sacudíamos, queimávamos juntos se necessário fosse, fizemos o que podíamos né? Mas água e óleo só são colocadas na mesma frase como exemplo do que não se mistura, não combina.

As pessoas continuam sendo salvas, realizando sonhos, bebês nascem toda hora, pequenos  e grandes milagres acontecem todo dia, inclusive comigo e com você. E eu sou feliz, a única coisa que mudou é que não sinto mas essas coisas acontecendo.


– Ully Stella